"Professora, nós fomos à quinta."

Esta é uma frase frequente e entusiasmada dos alunos sempre que chego à sala de aulas.

-"Vimos, a sua quinta. É tão fixe".

-"Tem tantos animais! Como é que consegues ter tantos?"

- "Podes ser minha vizinha?"

- "Gosto de tratar dos animais das quintas dos amigos?"

- "Em que nível vais? ... Eia, eu ainda só vou no nível 10."

- "Vamos hoje à quinta? Vamos hoje ao aquário?"

- "Eu quero um cavalo, e eu um coelhinho, eu quero o Nemo..."

- "Gosto mais dos peixinhos amarelos!"

Estas e outras mais são início de conversa quando volto à sala.

Dou apoio às colegas no seu caminho de introdução às TIC , num agrupamento com 41 turmas a seguir este percurso nem sempre é fácil chegar a todo o lado ;-).

Uma das actividades que propus foi a utilização pedagógica do Facebook, mais propriamente da Farmville para o 1º ciclo e do Fishville para o Pré-escolar.

A que propósito? Porque vi nestes jogos potencialidade que os seus autores talvez não previssem.

A minha primeira preocupação foi com a segurança. Redes sociais têm as suas vantagens, mas também têm os seus perigos. Era necessário garantir a menor exposição possível dos alunos a esses riscos.

Foi a primeira fase, ainda antes de propor a actividade andei a experimentar com colegas as suas potencialidades, riscos e desafios.

Decidimos configurar as contas do Facebook de forma a aumentar a segurança, minimizar a exposição a convites e decidimos que apenas professores teriam acesso a passwords e usernames e estariam atentas aos convites que surgissem.

As contas foram abertas em nome das escolas e activadas as opções de segurança. E lá fomos nós experimentar.

Tem sido uma experiência muito rica. Algumas colegas agarraram neste aplicativo e deram-lhe usos completamente diversificados.

E o que fizeram com a Farmville e o Fishville?

Usaram na área de Estudo do Meio , Matemática, Língua Portuguesa, Inglês ou Formação Cívica.

Muitas usaram para a Matemática e propuseram situações problemáticas a partir da Farmville (assumiram que a moeda que aparece no Farmville seria o Euro e trabalharam a partir daqui, calcularam-se custos, lucros, fizeram-se planos de compras para aumentar o capital de cada quinta...).

A maioria usou para o Estudo do Meio. Como motivação, ponto de partida ou como forma de abordar assuntos como a fauna e a flora, os animais domésticos,...

A Farmville apresenta alguns erros científicos, mas isso não foi problema. Com a ajuda atenta dos professores tudo isso é trabalhado e os alunos apercebem-se bem da diferença entre o real e o virtual. "É um jogo. -dizem eles- É como uma história tem muita imaginação!"

E o que é que isto tem a ver com a temática da Paz?

Algures no percurso, na Farmville aparece uma bandeira da Paz e isto suscita discussões à volta da temática. Além disso há uma dimensão do jogo que implica comunicação, colaboração e a cooperação. A ajuda aos vizinhos da quinta suscitou temáticas inesperadas, comunicação entre turmas que não estão habituadas a trabalhar em conjunto.

No Fishville a dimensão colaborativa foi bastante explorada nos Jardins de Infância aderentes. Não havendo Internet em todos só quando eu passo por esses Jardins se pode ir ao aquário, o que implica que apenas usem o meu e a intervenção é pontual. Mas os jardins que têm Internet usaram o aquário de uma forma surpreendente.

Questões como a construção do aquário, a partilha de presentes, limpeza dos aquários vizinhos foram aspectos bastante interessantes nas actividades do Jardim. O cuidado com os animais é uma dimensão muito acentuada neste aplicativo e que agrada particularmente às educadoras e aos seus meninos.

Numa turma  do 1º ciclo, especialmente essa questão foi particularmente importante.

Era uma turma com problemas de comportamento e a professora aproveitou para usar a Farmville como rampa para abordar estas questões. Tudo era decidido em conjunto. O que comprar, o que faz mais falta na quinta ou o que apreciamos mais. A quem vamos ajudar? Devemos enviar presentes, a quem? Com quem contactamos? E este tipo de decisões levou a outras tantas discussões sobre relacionamento entre alunos, alunos e professores, aceitação de convites , o que é ser amigo, e comportamentos, valores da sociedade em geral e a sua relação com os seus comportamentos.

Tem sido uma experiência muito rica...

 Agora estamos em standby porque nos cortaram o acesso ao Facebook.

Algumas quintas ficaram mais paradas, como é o caso desta.

De repente chovem os pedidos de ajuda das colegas a dizer que não têm acesso, pois o administrador do sistema decidiu cortar o acesso ao Facebook e não era possível continuar. Algumas colegas levam os seus portáteis para poderem continuar, mas isso não é possível em todo o lado.

O técnico da Câmara Municipal não consegue resolver s situação e contactamos nós os responsáveis.

Estamos a aguardar resposta ao nosso pedido... há já demasiado tempo...

 

Entretanto educadores e professores estão descontentes com a situação. Não consideram correcto da parte dos serviços centrais este barramento sem aviso prévio. queriam dar andamento ao projecto e não podem. Os alunos estão desapontados e esperam que o projecto possa continuar.

Pessoalmente acho incorrecto que centralmente se decida onde podemos e não podemos ir na Internet. O professor está suficientemente preparado para tomar decisões deste tipo. O mau uso da Internet não acontece na escola, mas mais nas casas dos alunos onde os organismos que tomam essas decisões não controlam a situação. É na escola que se pode intervir na sensibilização para o uso adequado da Internet, muitos são os pais que desconhecem os seus perigos e um dos papéis da escola é sensibilizar os alunos para estas questões. Mas só o fará se tiver acesso a estes aplicativos.

Na nossa escola estamos a trabalhar nesta área participando no projecto Seguranet e estas questões de segurança e uso adequado da Internet, riscos e desafios estão no nosso dia-a-dia.  Não é barrando sites que se educa, mas formando mentalidades, discutindo as questões, apontando caminhos seguros. É esse o papel do adulto na discussão destas questões. Proibir não resolve nem previne o problema, apenas acentua a curiosidade.

Um dos aspectos que temos trabalhado são questões como a utilização de sites como o facebook,  onde muitos alunos já tinham contas e onde se expunham sem qualquer tipo de consciência dos riscos que corriam. Hoje sabem o que significa aceitar um" amigo" ou um vizinho na quinta, discutimos o conceito de amigo, falámos dos riscos de colocar fotos e informação  pessoal na Internet e tantas outras coisas... no âmbito do Seguranet.

Os alunos já usam estas aplicações, no seu dia-a-dia, muitos sem qualquer controle. Na escola podem discutir os riscos e as formas de se protegerem deles e usar as aplicações com um sentido completamente diferente.

Como tudo o que é novo no início traz alguns receio, até eu os tinha. Em conversa com a Margarida, com quem tenho falado do projecto, havia alguns receios iniciais, mas também muita curiosidade nas potencialidades destes jogos no ensino. Adultos têm-se viciado nestes jogos e muitos são os relatos de cortes nos acessos em empresas e serviços públicos, mas com os devidos cuidados tal não acontece.

Na escola o dinamizador é o professor e a decisão de aceder aos jogos é dele. Durante este tempo em que decorre a actividade nada aponta para que ocorra a mesma dependência. Embora haja entusiasmo, ele tem sido bem doseado.

Os testemunhos da maioria dos educadores e professores tem sido muito positivo. A abordagem de diferentes temáticas tem sido um aspecto que salientam e, sobretudo a motivação dos alunos para estas actividades. As competências que vão sendo desenvolvidas tanto nas área curriculares, como na discussão de valores, e interacção entre escolas, têm sido razões apontadas pelas colegas para dar continuidade a este projecto

O entusiasmo das crianças é evidente. A alegria nas suas expressões quando usam a quinta vale por mil palavras e faz-nos pensar que vale a pena continuar.

Espero que voltemos a ter acesso... Os dados recolhidos são um incentivo a prosseguir... só falta vontade superior em nos deixar trabalhar...